terça-feira, 27 de julho de 2010

Uma dessa, Maria

Foi ao ar. Foi voar. Aprontar a mala. Lá estava o céu. Tão distante, é tão rápido chegar até ele. Lá em cima é outro mundo e se tivesse todo ar suficiente, por ali viveria. Como aquele anjo que viu passar e dizem que é uma grande asneira acreditar neles. Acreditem no que quiserem. Aqui não dá mais. Por aqui nada protege as flores. Apenas aqueles cactos verdes dependurados na janela. Apenas eles sobrevivem ao vento gélido do extremo. Plantas fortes e valentes. Ela encontra-se num imenso espaço resguardando o sol. Fora desse mundo. Por fora da esfera, da busca por um planeta sustentável. Fora do mundinho daqueles que se escondem atrás da mentira. Dos que ganham dinheiro às ganhas, daqueles que fervilham a mesmice, a arrogância, a empáfia. A eles falta um bocado de humildade. Daqueles que se dizem poetas, profetas, daqueles que odeiam tudo o que é popular. Maria não sai só para sambar.

A revolta toma-lhe o corpo inteiro. Nada a transgride desse estado favorável a sua destreza. Não viola as leis. Não desdobra as cobertas em cima do banco. As sacolas a esperam. A sopa, as colheres e o cobertor irão finalmente aquecer quem bebe para esquecer o frio. Morde os lábios, destrói os últimos pedaços de unha, coloca seu casaco, uma meia, mais uma meia de lã, mais um cachecol, um chapéu para cobrir as orelhas, as luvas vermelhas. Vai. Distribuir a sopa quente para que enfim possam aproveitar. Sopa das melhores. Feita com frango, salsinha, batata, cenoura, massa fresquinha e aquele caldo de legumes. Maria tem fibra e também chora pelas coisas da vida.

Para depois da primeira esquina em frente às lojas de gente bacana. Com copos e colheres de plásticos, saboreia junto com aquelas pessoas desconhecidas a sopa feita com os últimos centavos do seu bolso. Um aperto no peito, a voz começa embargar e aqueles sorrisos de satisfação lhe contentam a alma, abrandam o coração. Ah, numas dessas Maria, eu te encontro e a caridade se faz. Sai a voar pelos ares longínquos da sua imaginação. Se ela não tivesse abandonado o seu dever. Bem assim, como deve ser, bem assim, do seu jeitinho. A serenar corações, transformar o dia de alguém, compartilhar um mundo, fazer sorrir, aquecer, abraçar. Tudo pelo simples fato de ajudar e mesmo assim, faltam-lhe os trocados. Numa dessas, Maria alimenta sua vida.

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