Moça da pele branca, sorriso curto, lábios rosados, cabelos negros, braços cheios, pernas pomposas sempre à mostra. Dedos curtos, unhas negras. Boca cantante. Nas caixas resgata fotografias, guardanapos escritos. Declarações. Cartões. Paixões. Adélia ouve todas as madrugadas a mesma sintonia. A vida dela é uma trilha sonora seguida pelos passos, compassos e ruídos daquela canção. Uma partitura simples rematada pela insônia. Dança pela casa. Braços soltos ao longo do corpo, cabelos desgrenhados, pés descalços. Dança sozinha. Com seu vestido colorido feito chita. Dança na praia, sentindo a brisa do mar gelado. Dança alçando voos com a areia em seus pés. O céu simboliza a chuva. No peito, a saudade latente de um passado que resolveu fazer-se presente.
Ele está nas páginas dos jornais. Nos livros e nas flores. Cervejas e bebidas mal cheirosas. Da janela o único mundo, inatingível. Ele dança em outro compasso de uma música esquecida. Faz e refaz, recortes de papéis, tecido e espuma, as mesmas flores. Pintura. Na parede desenhos e formas inacabadas. A sua arte. Armazena palavras para os papéis e as cartas retornadas. Frederico. Frederico não é nome de bandido. Mas deixou para trás a liberdade. A sua e de Adélia. Não fala. Não há ninguém para trocar uma palavra. A comida chega pela fresta, o brilho do sol não vê há meses, o cubículo úmido e escuro é presente dos seus atos. Come e solta fora, um ritual suntuoso. Lembranças de um carnaval desvairado. Sem mágoa a sangue-frio.
Estava no sétimo, no primeiro, no segundo andar à procura de algum novo som. Nada. O edifício estava em silêncio como em nenhum outro carnaval. Mas ela podia ver os confetes e as serpentinas. Ela podia ouvir aquelas risadas conhecida, os desconhecidos e todos os perdidos. Adélia era moça bonita, despertava algum sentimento nos homens. Mas não deixava ninguém experimentar. Perdida na liberdade, nos carnavais, no amor que prendeu. Movimentava-se em círculos atormentada. Sentia um aperto no peito. Frederico tinha saudade de gente. De agir de acordo com a sua própria vontade, de decidir sua sentença, seu caminho, de dizer a verdade. Tinha saudade da liberdade e principalmente da sua gente.
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