quinta-feira, 29 de julho de 2010

Setenta e seis

Uma cidade que se encontra quase escondida, não há praia por perto, nem campos se perdendo no horizonte. Para chegar, seja qual for a rota, você vai passar por lindas sinuosidades, paisagens que confundem o olhar e te fazem girar. Ao descer para o centro, bairros, ruas limpas, sinalizações, não há como se perder. É só seguir reto, seguir o fluxo, a movimentação. Caso, queira pedir informação, com certeza encontrará uma pessoa muito educada com um sotaque forte, e de vez em quando esquecendo os erres. A praça da cidade é logo ali. Chegou ao centro. Uma vista linda. Onde as faixas de segurança são incrivelmente respeitadas. As sinaleiras para pedestres respeitam um ritmo próprio, como num compasso todos pacientemente aguardam sua vez. Educação e informação no trânsito mudam uma cidade. Embelezam. Não é saudosismo. Ou, talvez seja. Mas aquela cidade traz realmente uma simbologia da paz para cá. Uma simbologia de que uma pequena cidade, com algumas pessoas, um moinho por perto, um armazém e um boteco, atingem a terceira idade com vivacidade.

Não há como não rememorar os bons momentos que por lá passei na infância e adolescência. Acho que nasci em Concórdia, SC. Acredito que a gente é natural de onde vem. De onde parte para a vida. Aonde aprendemos a compor as primeiras frases. A suportar a saudade. A descobrir para o que viemos. Distante mais de 350 km, ficaram todos os familiares há vinte e cinco anos atrás. Nasci no Rio Grande do Sul, numa cidade antiga, com belas construções, histórias e com as minhas raízes. Mas totalmente diferente do que vivi nos anos em que passei em Concórdia. Uma cidade acolhedora, com um povo que vive para o trabalho. Uma cidade que cresceu junto e em torno da Sadia, mas nem por isso deixou de ter personalidade, criar a sua própria história, desenvolver seu potencial. Uma cidade não é feita apenas pelas pessoas que habitam as casas, consomem os produtos, geram receita. É constituída pelo resto quase imperceptível. É constituída pela sua beleza, políticas sociais e cidadãs. Concórdia é isso. A sensação é de acolhimento. Em dia de festa tem bolo, música e até mortadela para o povo. Ou, para quem conseguir um pedaço.
Setenta e seis anos. O bolo? Setenta e seis metros de comprimento, com mil e setecentos quilos. A mortadela? Mil e oitocentos quilos. Isso mesmo. Bolo e mortadela para o povo no dia do aniversário da cidade, e pãozinho para acompanhar o salgado. O bolo foi cedido pela Prefeitura e a mortadela é Sadia, claro. Montado na hora, o bolo leva uma camada de glacê. Portanto, é impossível você não levar essa camadinha nos cabelos, nas mãos, na roupa, porque DEZ mil pessoas (público estimado deste tarde) tentando tirar uma lasquinha é inevitável que você experimente ao menos a cobertura. É feriado em Concórdia, sol, clima agradável (bem melhor que o friozinho do Sul), reunião de gente e música. E eu aqui, sem nenhum doce para beliscar. Minha esperança é comer uma comida boa no domingo. A 25ª Festa Nacional do Leitão Assado (FENAL) acontece no dia primeiro, no Parque de Exposições da Cidade. Então, como não sou vegetariana, não estou de dieta, cuido da minha alimentação, vou aproveitar (mesmo porque acho todas as alternativas anteriores uma besteira). Carne suína para quem quiser comprar, eles esperam que DEZ toneladas de carne sejam consumidas por mais de DEZ mil pessoas. É mole? Eu vou! Os pratos são deliciosos. Tem porco no rolete, porco não sei aonde, porco com maçã na boca, porco a pururuca. Hum... Domingo eu abraço Concórdia. À bientôt, Concórdia!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Perigo

Como dois e dois são cinco. Passeia por entre narrativas. Desmistifica a vida e os sabores e os aromas e aqueles desamores e isso e aquilo que incomoda e que abarrota suas ideias. Ah, esse perigo. Bom senti-lo. Bom adorá-lo. Falta alguma coisa? São pequeninas delas que se unem e se encaixam e se embaraçam por entre as veias. É quatro. Ô, perigo de me jogar pela janela. Sair correndo pelo quarto. Dança e deixa as palavras saírem pela boca. Num só. Multiplica. Solitária. Num. Quarto. Esquece. Espairece. Endoidece. O perigo. Relaxa. Suspira. A vida.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Uma dessa, Maria

Foi ao ar. Foi voar. Aprontar a mala. Lá estava o céu. Tão distante, é tão rápido chegar até ele. Lá em cima é outro mundo e se tivesse todo ar suficiente, por ali viveria. Como aquele anjo que viu passar e dizem que é uma grande asneira acreditar neles. Acreditem no que quiserem. Aqui não dá mais. Por aqui nada protege as flores. Apenas aqueles cactos verdes dependurados na janela. Apenas eles sobrevivem ao vento gélido do extremo. Plantas fortes e valentes. Ela encontra-se num imenso espaço resguardando o sol. Fora desse mundo. Por fora da esfera, da busca por um planeta sustentável. Fora do mundinho daqueles que se escondem atrás da mentira. Dos que ganham dinheiro às ganhas, daqueles que fervilham a mesmice, a arrogância, a empáfia. A eles falta um bocado de humildade. Daqueles que se dizem poetas, profetas, daqueles que odeiam tudo o que é popular. Maria não sai só para sambar.

A revolta toma-lhe o corpo inteiro. Nada a transgride desse estado favorável a sua destreza. Não viola as leis. Não desdobra as cobertas em cima do banco. As sacolas a esperam. A sopa, as colheres e o cobertor irão finalmente aquecer quem bebe para esquecer o frio. Morde os lábios, destrói os últimos pedaços de unha, coloca seu casaco, uma meia, mais uma meia de lã, mais um cachecol, um chapéu para cobrir as orelhas, as luvas vermelhas. Vai. Distribuir a sopa quente para que enfim possam aproveitar. Sopa das melhores. Feita com frango, salsinha, batata, cenoura, massa fresquinha e aquele caldo de legumes. Maria tem fibra e também chora pelas coisas da vida.

Para depois da primeira esquina em frente às lojas de gente bacana. Com copos e colheres de plásticos, saboreia junto com aquelas pessoas desconhecidas a sopa feita com os últimos centavos do seu bolso. Um aperto no peito, a voz começa embargar e aqueles sorrisos de satisfação lhe contentam a alma, abrandam o coração. Ah, numas dessas Maria, eu te encontro e a caridade se faz. Sai a voar pelos ares longínquos da sua imaginação. Se ela não tivesse abandonado o seu dever. Bem assim, como deve ser, bem assim, do seu jeitinho. A serenar corações, transformar o dia de alguém, compartilhar um mundo, fazer sorrir, aquecer, abraçar. Tudo pelo simples fato de ajudar e mesmo assim, faltam-lhe os trocados. Numa dessas, Maria alimenta sua vida.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

*Papapa* Super heróis

Indicado a clipe do ano de 2010 no VMB da MTV, pra votar: clica aqui.

Mombojó - Papapa. Direção de Fernando Sanches.


***
Se o inverno não tem
Então espere o sol vir iluminar o seu lar

Papapa...

Por mais que eu pense e desista
Por mais que ele venha e queime a vista
Calando a sombra e os sapos
Com seu abraço de sol

Não desisto em conter um terral
Que precede o chover
Mas não vem, mas não vem

E não há, não aqui, em conter um terral
Que precede o chover
Mas não vem, mas não vem
Que não há, que não há, não aqui

Papapa...

No ar condicionado do shopping
A dez graus a menos
O suor que escorre da sua pele tende a secar

Você diz gostar do carnaval
Sem separatismo
E sonha em dormir na geladeira

Se o inverno não tem
Então espere o sol vir iluminar o seu lar

Papapa...

Você diz gostar do carnaval
Sem separatismo
E sonha em dormir na geladeira

***


quarta-feira, 21 de julho de 2010

cinza

É na solidão que o homem se encontra, no seu belo isolamento. Na sala o frio se espalha, as imagens refletem sua vida. A porta aberta não dá conta de esquentar seu corpo. Lá fora ultrapassa os vinte graus. A tempestade vem aí, no noticiário não se fala em outra coisa. Tão completamente calado e seu corpo remexe impaciente. Trança suas pernas num passo falso. Barganha os sons. Vende sorrisos. Observa as suas mãos. Enche seu coração e lava a alma num gesto ritmado, eterno e novamente perde-se na beleza. Cantarola alto Eu te amo “Como, se na desordem do armário embutido/Meu paletó enlaça o teu vestido/E o meu sapato inda pisa no teu” numa esperança de que os vizinhos ouçam. Para que a moça do andar de cima com seu salto alto possa entender, ou, tome consciência. Não sabe. Não está na hora. São as pessoas que andam, ele continua ali, só. Reconhecendo seu espaço. Nada além. Seu olhar atravessa a sala. O que pode levar em baixo dos braços são seus livros e aquele gato aninhado na coberta em cima da caixa. Nada a mais. Seu olhar atravessa à estante. Palavras. Nomes. Fotografias. Recordações. Florbela sempre foi sua melhor companheira. Hoje a mulher é outra. Mas os versos endoidecem seu coração, “... são como sedas pálidas a arder...” é Florbela Espanca que faz seu corpo estremecer.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Carrego comigo

Sinto que se pudesse quantificar esse sentimento, me perderia novamente diante dos números. Se pudesse unir, dividir-me ou simplesmente partir para a lógica, poderia envolver meus braços em todos os pontos. No Porto, Florianópolis, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Passo Fundo, pelo oeste de Santa Catarina. Pelas ruas de São Paulo me perderia tentando reunir todos em um único boteco de esquina. É saudade das boas. São trocas.

São poucos e dizem que assim deve ser. Os números não são altos, assim é fácil. São bons momentos impossíveis de racionar. São pessoas maravilhosas as quais podemos chamar de amigos. Escolhemos, mas não tem no mercado para comprar. Não podemos pedir na tele-entrega. Não podemos impedir os rumos. Mas temos a certeza da amizade. Nas minhas caixas, na vermelha, na remendada de figuras, na florida, na laranja, elas guardam as nossas lembranças. É meu irmão, é o outro irmão que a cidade gelada me deu. É a prima. A amiga de infância, os amigos do teatro. Aqueles meninos que juntos inventamos o mundo.

Quando o reencontro acontece à gente percebe a mudança do tempo, a maturidade evidente, mas o sorriso, o abraço forte e a envolvente amizade, serão sempre os mesmos. No sofá, sentados lado a lado, as lembranças retornam, tenho ali um amigo. Encosta a cabeça no meu ombro e juntos dividimos sonhos, lembranças. Os que nos deixaram e aqueles amigos que para longe foram, tão longe que não podemos sequer pedir um abraço. Sequer ler suas palavras, ouvir sua voz, rever seu sorriso, rir das suas piadas. Estes dois o sentimento é inexplicável. É perda. É falta. É a tal da discrepância do destino.

Amigo é isso. Amigo é feito para abraçar, amassar sem malícia, esquecer as rixas futebolísticas, fazer rir, irritar de tanta saudade, abrigar, brigar e refazer a paz. Agora, arrume as malas, compre as suas passagens, peça carona e proteja-se do frio. Vamos nos encontrar e brindar a amizade. A vida é assim. Essa é a graça da vida. A cada metro de distância a saudade aumenta, o amor aumenta e a certeza do reencontro vive. Outros elos dessa amizade serão vistos. Amigo também é feito para equacionar a saudade.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Dualidades

Dias atrás me pediram para colocar na balança o jornalismo e o teatro. Escolher. Contestei: “e você palmeirense, o futebol ou a música?” “Ah...” Disse ele espantado, “eu amo igualmente os dois!” E isso é ótimo. É ótimo e belo ter o que amar. Distribuir amor, trocar conhecimento, ritmos, sons, palavras, poemas. Seja lá o que for, fazer rir, dançar, cantar alto, escrever, criar sons. É por isso que eu também amo igualmente os dois. Não é fanatismo. Nem paixão. É amor. Claro e evidente. Sem ofuscação. Por isso não escolho. Não as peso. Elas andam juntas, coladinhas em mim.

Minhas ações são desenvolvidas por pessoas e para pessoas. Pois acima de tudo faço o que amo e faço com amor, ética, respeito. Faço desta maneira outras pessoas felizes e esta é a minha arte, meu ofício, minha vocação. A arte que traz talento, dedicação, estudo e conhecimento dos fatos. Da cientificidade que envolve esta caixa preta, das palavras, da informação, da ética, da comunicação, que envolve o jornalismo. Estas dualidades envolvem a minha vida. Mas são dualidades convergentes entre si. E isso incomoda. Porque poucos sabem o que é o ator. O que faz um ator. O que o ator precisa estudar para estar em cena, seja lá onde for. Assim, como o jornalista.

Vivemos em mundo onde a prática prevalece, um mundo virtual que nos aquece no isolamento conjunto. O teatro, dizem que é feito de mentiras. Mera casualidade com as coisas da vida. As relações humanas em sua materialidade mais ínfima são encaradas. É nisso que nos inspiramos. Na vida. Na sua vida. O cotidiano maçante é posto à prova no palco, a comédia está feita. O riso rola solto. A tragédia é feita por pessoas, na sociedade, posta ao palco, faz chorar. Na televisão já não choca mais. Na visão do dramaturgo Sérgio de Carvalho, “Stanislavski queria algo mais do que recriar a verdade da vida no palco. Queria uma verdade que fosse bela, que tivesse sua plasticidade própria, seus ritmos sutis, sua vibração sensível. A visão poética brechtiana se acresce ainda de outra exigência: o teatro precisa de uma verdade que, além de bela, seja útil. E a utilidade é de ordem política”.

Clara dualidade: vida e arte. Respiro e expiro. Concentração. Os bonecos revelam o próprio olhar. Mãos. Espuma. Cores. Tinta. Tecidos. Luzes. Sorrisos. Narizes. Olhos. Movimentos. Os “narizes batatinhas” animados, olhos vidrados, compenetrados na história, nos seus enlaces de atriz. Colocar a menor máscara do mundo revela muito além do que se pode imaginar. Vai afundo no processo de construção de um clown, e para isso, percorre seu interior mais ridículo. Despe-se de toda a defesa. Foi feito para rir. Divertir. É uma pesquisa do seu eu, do seu eu Clownesco, onde reside a liberdade. A liberdade de deixar fruir a criança que habita dentro de cada adulto metido a gente grande. Ele revela o seu ridículo. Revela a sua verdade, a aceitação. Quando encontrei o meu clown ouvi dizer: “o coração do palhaço é uma flor e o palhaço nasceu para doar essa flor para o mundo”.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

silêncio

O que se pretende?
Que ser pretende um?
Ser
Inteligente
Independente
Quente
Ser
Fervente


A
Sós
Como
Nós
Em
Nós
Ambos
Emaranhados
Em nós.

domingo, 11 de julho de 2010

Alvedrio de Frederico

Moça da pele branca, sorriso curto, lábios rosados, cabelos negros, braços cheios, pernas pomposas sempre à mostra. Dedos curtos, unhas negras. Boca cantante. Nas caixas resgata fotografias, guardanapos escritos. Declarações. Cartões. Paixões. Adélia ouve todas as madrugadas a mesma sintonia. A vida dela é uma trilha sonora seguida pelos passos, compassos e ruídos daquela canção. Uma partitura simples rematada pela insônia. Dança pela casa. Braços soltos ao longo do corpo, cabelos desgrenhados, pés descalços. Dança sozinha. Com seu vestido colorido feito chita. Dança na praia, sentindo a brisa do mar gelado. Dança alçando voos com a areia em seus pés. O céu simboliza a chuva. No peito, a saudade latente de um passado que resolveu fazer-se presente.


Ele está nas páginas dos jornais. Nos livros e nas flores. Cervejas e bebidas mal cheirosas. Da janela o único mundo, inatingível. Ele dança em outro compasso de uma música esquecida. Faz e refaz, recortes de papéis, tecido e espuma, as mesmas flores. Pintura. Na parede desenhos e formas inacabadas. A sua arte. Armazena palavras para os papéis e as cartas retornadas. Frederico. Frederico não é nome de bandido. Mas deixou para trás a liberdade. A sua e de Adélia. Não fala. Não há ninguém para trocar uma palavra. A comida chega pela fresta, o brilho do sol não vê há meses, o cubículo úmido e escuro é presente dos seus atos. Come e solta fora, um ritual suntuoso. Lembranças de um carnaval desvairado. Sem mágoa a sangue-frio.


Estava no sétimo, no primeiro, no segundo andar à procura de algum novo som. Nada. O edifício estava em silêncio como em nenhum outro carnaval. Mas ela podia ver os confetes e as serpentinas. Ela podia ouvir aquelas risadas conhecida, os desconhecidos e todos os perdidos. Adélia era moça bonita, despertava algum sentimento nos homens. Mas não deixava ninguém experimentar. Perdida na liberdade, nos carnavais, no amor que prendeu. Movimentava-se em círculos atormentada. Sentia um aperto no peito. Frederico tinha saudade de gente. De agir de acordo com a sua própria vontade, de decidir sua sentença, seu caminho, de dizer a verdade. Tinha saudade da liberdade e principalmente da sua gente.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Sexto dia

Elena estava afundada. Livros. Papéis. Canetas. Folhas e mais folhas espalhadas pela mesa. O cigarro defumando o ambiente. Teorias. Entrava em consonância com vários autores. Aquelas linhas. Formidáveis linhas tênues que separavam o abismo. Sutis nós que se entrecruzavam nos seus pensamentos. Ali segurou. Num súbito olhar o calendário marcava o dia seis do mês.

- Putaquepariu! O aluguel venceu!

Arrecadou carteira, celular, óculos, caneta, agenda, pen drive, boletos bancários, a lista do super, da vendinha, da farmácia, do açougue. Enfiou tudo na primeira bolsa que encontrou. Fechou a porta de casa. Abriu. Colocou seu salto alto e partiu. Elena mal sabia o inferno que lhe esperava. O sol estava tomando conta da cidade. “Dentro do banco ameniza”.

Uma fila a impedia de entrar. Era ali que ela deveria ficar até chegar ao próximo andar. O homem de camiseta azul impaciente distribuía olhares. Nas mãos um cartão azul, um papelzinho surrado com uma sequência de números e letras. No rosto enrubescido as bolinhas de suor tomavam conta da testa. Chegou sua vez. O moço não ouviu. Entregou-lhe uma fichinha com números e letras que dava acesso ao segundo andar. Ali, iria resolver o seu problema. Ele tentou retrucar, saber o motivo de todo o seu dinheiro escafeder-se da conta. A fila anda.

Elena recebeu suas letras e números. Deixou o celular e a chave de casa. A porta emperrou. Voltou. Olhou dentro da bolsa. O guarda-chuva. Alcançou o homem no elevador. Esbaforida. Ele parecia mais nervoso, seus olhos, suas mãos e aquelas bolas de suor não paravam quietas. O cheiro era quase insuportável dentro daquele cubículo. O ar condicionado dentro do banco não dava conta. Procurou uma cadeira para sentar e organizar a bagunça da bolsa. O dinheiro não vai dar conta. Riscou a alface, a abobrinha, as cenouras. Os tomates estão muito caros. As vacas devem estar produzindo pouco leite. Menos duas caixinhas. As batatas duram um pouco mais. Ainda tem sabão em pó.

Ela ficou ali por mais de meia hora. Resolvendo contas, cortando ingredientes e pensando naquelas teorias que lhe esperavam. Desceu. Saiu. Sentiu um braço envolver a sua cintura. Era o homem de azul. Disse para lhe entregar o dinheiro, o celular. Disse que era um assalto. Gritou. As pessoas pareciam se afastar. O braço do homem apertava com força as dobras da sua barriga. Boca fechada e andando! Depositou toda a sua força para se desvencilhar. Ele não podia levar aquela bolsa, com o guarda-chuva, o dinheiro do super, das batatas, do leite. Cambaleou. Ele correu. Virou a esquina. As pessoas sumiram. Sentiu seu corpo inundado de raiva. Encharcado de suor, quente. O dinheiro da conta vai sumir. Maldito início de mês.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

gélido

Os dias andam curtos. As estrelas somem rápido no céu. Lua. Sequer teve tempo para admirá-la. Mas esse tempo corre bom. Esse vento vive. Suprime e oprime o ócio. As ideias partem em quinhentas e vinte e poucas no céu. No horizonte aquelas cores lindas. As cores parecem querer misturar-se ao branco das nuvens gordas. Ah, essas gorduchinhas. Queria todas pra mim, emoldurá-las em sonho. Descobrir a cada novo vento uma nova forma. As teorias seguem conforme as linhas transacionais. Um beijo no gelo.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Piripaque

Sexta-feira. Dois de julho de 2010. Oito horas da manhã. Um risco de sol entrava pela sacada. Vestiu sua camiseta azul com o número quatro estampado nas costas e saiu. O barulho dos carros frenéticos embrulhava seu estômago. Embaralhavam seus olhos ainda adormecidos. O sol não parecia querer esquentar. O céu completamente azul parecia solitário. As crianças serelepes a passos largos deixavam a escola. As horas passaram rápido. Os carros tentavam se esconder. As lojas fechadas. O verde e amarelo até nos cães. A cidade parou? Quase o silêncio. Aquelas máquinas jamais param. As mulheres não apareceram no salão de beleza para vibrar. O telefone não tocou na pastelaria. Sentou-se confortavelmente. Sentiu seus pés gelados. As mãos ansiosas.

Seus olhos nervosos percorriam o ambiente. As toalhas no varal, os quadros, a roupa da mulher que passava solitária pela rua, os lençóis no varal da vizinha, o suco no copo, tudo igualzinho a cor da camiseta daquele time. Jogo de futebol outra vez. Os gritos da vizinhança anunciavam o primeiro gol. Bolas na trave, expulsão, gol e mais gol. Não é comentarista de futebol, não pintou a cara, não saiu à janela para comemorar, não entende “patavinas” desta maravilha. Mas inflama o peito, arrepia-se, segue a mesma causa daqueles. E também fica perplexa frente à televisão. Pode ter sido a mulherada do salão que se ausentou na reta final. Mas será que foi o “pé frio”? Será que Jorge Cajurú, está certo? “A copa do mundo está vendida e o Brasil não vai ganhar”. Mas é qualé quié desse sentimento?

Para alguns é uma “mistureba” gostosa. Para ela, a vontade de acariciar. Acalmar o choro. Abraçar forte as tristonhas crianças que sonharam em ver pela primeira vez a seleção brasileira ganhar a Copa do Mundo. Mas eles entendem muito mais do que ela. É sensação momentânea. Na sacada a aflição. A cada lance perdido gritos, palavrões, vozes estranhas. Mas o que ecoava mais saliente era a narração de Galvão Bueno rouco, quase sem voz. Se Juan, o número quatro, não tivesse perdido aquele gol Galvão teria ficado sem voz. Felicidade geral na sacada. “Mas vem cá, tu sabe sambar?” Porque eles sambaram em um tempo só. A revanche das laranjas deu-se de fato na África. Mas o Brasil fica logo ali, em algum canto que você quiser encontrar. Sorriso no rosto, a pele morena, branca, parda, o abraço apertado, a amizade distante, força, fé, união. Ela não tem a ginga, não tem samba no pé, não tem o domínio da bola, a firula da moçada. Saiu. Com sua camiseta azul.