Eu me apaixonei pelo luar. Pelas noites frias, pelas noites quentes e escuras. Me apaixonei pelo horizonte e pelas luzes das casas que de lá surgiam. Queria saber “quenhé que morava lá”. E que lugar é aquele? Na verdade queria saber mais, mas só a minha imaginação poderia me proporcionar estas respostas. Eram momentos ouvindo, sonhando, alimentando paixões, construindo objetivos e desconstruindo histórias infantis. Ninguém vira uma estrela no céu. Tinha receio de desvendar essa façanha – tão anunciada pelos adultos – sozinha. Mas foi o que aconteceu. Não lembro quando, nem onde, mas descobri que meu avô continuava a me contar as histórias dos ranchos longínquos, das constelações, da sua balsa no rio, mesmo tão distante de mim. Foi assim que me envolvi nos sonhos e cativei alguns objetivos. Assim, e com tantas outras coisas, que até o final da sua vida o Senhor Arthur ajudou a construir a minha essência.
Sentir a ausência. Perceber a onipresença sem poder sentir a sua pele em ondas, aquele sorriso que me abraçava, o olhar sincero, as mímicas, as mãos que brincavam com os meus olhos e que escondiam os doces. Era uma recepção programada. O som daquele chinelinho arrastando no piso de madeira soa na minha memória. Ela está aqui. Como se ouvisse perfeitamente bem. Como quem sente a aflição alheia. Como quando entrava no seu quarto, ajudava na escolha do vestido, dos brincos, do colar. Ela sentava na sua cadeira frente ao espelho, passava pó naquele rosto sorridente com uma delicadeza e uma destreza impar. Olhava-me por cima, com um sorriso ladino, depois me entregava as “ramonas” para que eu fizesse o melhor penteando, naqueles poucos fios de cabelos compridos. As unhas sempre pintadas, os vestidos bordados e o cheiro da sua pele não me deixam esquecer os bons momentos que passei ao lado da Senhora Paulina, uma professora, uma mãe, uma avó e uma amiga.
Foi num verão, nas férias da escola que mais senti a falta do meu pai, porque sentia o amor que ela tinha por ele. Ao lado dela assistia o jornal na televisão, aprendia a fazer o melhor arroz que já comi, a dar e receber carinho. Ao lado dela e com ela, aprendi a ser forte. Foi ela quem me ensinou a ajudar sem medir esforços, sem receber recompensas. Herdei vestidos, uma mala, um anel e infinitas recordações. Guardo na minha caixinha a nossa sintonia, os nossos olhares e todo o nosso amor. Resgato de lá, quando preciso respirar fundo. Apenas as boas lembranças. Apenas a verdade que me envolve com eles. O pai da minha mãe e a mãe do meu pai. A minha avó, minha luz de todo o dia.
Desde o último inverno oito pessoas fazem esse entrelaço com meus avós. Trocamos conhecimentos, vivenciamos experiências, sensações, convivemos com a arte. Eles completam o que se foi: o abraço, o cheiro, o carinho, os conselhos sábios, as histórias que me encantam. Nada melhor do que ter sempre por perto alguém com mais de 60 anos, sorriso no rosto, disposição, vontade de viver e recomeçar sempre. Leveza e intensidade. Sem olhar para o céu, sem pensar nas estrelas que não foram.
Um comentário:
Lindo e tocante como sempre.
Amo você, e o modo como consegues passar para o papel teus sentimentos. O melhor de tudo é que neles têm a delicadeza e sinceridade que só podiam ser tuas.
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