Cinquenta e oito horas desconectada, sem celular, sem internet, sem computador, sem rádio, sem música. Apenas os livros e um par de família e cinco horas de viagem e aquele destino. Uma partida para o lugar simples. Que parece mais longe deste mundo quando a estrada de terra aparece. As lembranças se achegam devagar. A noite gelada e o vento nos abraçam. A senhora que nos recebe na casa de madeira, tem o rosto triste, mas a alma bela e um coração gigantesco. Abraça com os braços de quem acolhe, protege e não quer deixar partir. É feita de fibra e raça e sensibilidade. É mulher admirável, não somente por ser mãe da minha mãe, mas por ser sensível, simples, ter uma história linda e por manter o amor há mais de cinquenta anos. Na casa da Vovó a cama prontinha nos espera, o aconchego é simples, mas ali temos a certeza de que temos o essencial para vivermos em paz, sossegados do mundo, como ela vive. Ela ainda quer ser independente, apesar das poucas limitações e os cuidados essenciais que a sua idade nos exige. Resmunga sozinha por causa da tramela da porta, admira-se frente às novas tecnologias trazidas pelo meu irmão no computador, controla a sua dieta, organiza sua casa, é zelosa com os netos, e também não sabe onde essa juventude vai parar. Mas, não sorri mais na hora do retrato. Seus oitenta e três anos são sentidos pela ausência do seu par. Falta. Quanta falta ele faz. Mas ela não deixa cair.
Para aqueles campos abertos onde a vista perde o sentido, procura o infinito, encontra luzes e estrelas sem fim. Retrato da família na mesa da saleta, aconchego de Vovó, comida de tia, receptividade encantadora. As tantas horas até lá, recompensam o caminhar sem pressa, sem hora para voltar. Sem compromisso. Sem espaço, no ciberespaço. Se há mais de dez anos atrás quando todo mundo nas grandes cidades, que podiam pagar por uma internet discada, começavam a se conectar em rede, em São Pedro do Butiá - RS, na região das Missões, a luz era artigo de luxo para quem morava na cidade. “Butiá”, ainda tem a maioria da sua população de 2.744 habitantes vivendo na zona rural, é uma cidadezinha bonita, mas simples. Uma cidade que desde 2008 ostenta a estátua de São Pedro, circundada pelo Centro Germânico Missioneiro, seus trinta metros de altura despontam mesmo sem a sua iluminação característica. A cidade ganhou um local onde a história da imigração alemã é recontada, e a estátua ganhou destaque no jornal Zero Hora, pelos tantos zeros que foram investidos.
A comunidade de Santa Terezinha, onde está à casa da vovó, é distante cerca de 8km da cidade. No final dos anos 90, o asfalto nem cruzava as cidades, apenas um telefone para toda uma comunidade ligava-os com o mundo. A comunicação era quase restrita. Os correios até lá não chegavam (e ainda não chegam). Algum político olhou para aqueles cidadãos. Meu avô Arthur, então comprou uma geladeira, um freezer para o leite e as carnes não estragarem, teve enfim, direito a banho quente (um chuveiro que não era feito de lata) e um banheiro de verdade. Comprou uma televisão a cores, antena parabólica, mas o radinho a pilhas não foi deixado de lado, ainda está lá. Na casa ao lado, a casa da Tia Rosa e do Tio Dionísio, a mesma cronologia, com a adesão do celular e mais recentemente, a máquina digital. Em breve, a internet também vai chegar e irá fazer parte das suas vidas, não apenas o Orkut, e as outras ferramentas de conversação. Mas toda a sua gama de oportunidades e possibilidades que ela traz. Ela chega até a igreja da comunidade, e dali não passa, mas ali, há muita empolgação com estas novas tecnologias.
“Butiá” não está mais “isolada” do mundo, mas mesmo assim, lá na casa da Vovó é possível sentir um isolamento, é sem fim. É ar aberto e puro e belo e simples e acolhedor. Viajo mais algumas horas e perco o jogo do meu time, por não ter um rádio digital ou a pilhas, mas meu corpo está descansado, a mente tranquila, tudo certo para recomeçar a rotina. Com a certeza de que não fico desconectada do mundo virtual por mais de três dias. Nas últimas férias, corri para a única Lan House em São Pedro do Butiá, precisava ao menos ver a minha caixa de e-mails. Mas ali, caminho de olhos bem abertos. Onde a noção de tempo e espaço diferem-se dessa em que vivo normalmente. Neste ciberespaço, retorno outra vez aos estudos. Para tentar compreender. Para desorbitar. Para viajar.
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